A Cultura da Mediocridade e o Colapso dos Bancos Portugueses

A crise financeira de 2008 expôs fragilidades em sistemas bancários de todo o mundo, mas poucos países sentiram os seus efeitos de forma tão severa e duradoura como Portugal. Não foi apenas o impacto externo da crise que levou à falência e à necessidade de resgates multimilionários para a maioria dos bancos portugueses. O verdadeiro problema estava dentro das próprias instituições: uma cultura profundamente enraizada de incompetência, oportunismo e mediocridade.
Este artigo não se baseia apenas em análise teórica, mas sim numa experiência em primeira mão de alguém que trabalhou diretamente na infraestrutura tecnológica de um grande banco privado português. A história real que aqui se expõe ilustra na perfeição como a mediocridade não só foi tolerada como incentivada ao longo de décadas, culminando na destruição financeira que se seguiu.
A Cultura da Mediocridade: Quando a Competência se Torna uma Ameaça
A mediocridade no setor bancário português não surgiu do acaso. Ela foi sendo cultivada ao longo dos anos por uma mentalidade de gestão onde a prioridade era a autopreservação e não a excelência. Em muitas empresas, especialmente nas que operam sob proteção do Estado ou que têm influência política, a inovação e a eficiência são vistas como ameaças ao “status quo”.
Um exemplo concreto disso ocorreu num banco privado português onde tive a oportunidade de colaborar. Após seis meses de trabalho, consegui resolver a maior parte dos problemas de infraestrutura tecnológica que estavam pendentes há mais de dois anos. Era de esperar que este esforço fosse reconhecido como algo positivo, mas, para minha surpresa, um diretor da área de informática disse-me diretamente:
“Não pode resolver os problemas assim tão rápido, porque de outra forma seremos desempregados.”
Aqui reside o cerne da questão: numa organização saudável, a resolução eficiente de problemas deveria ser premiada. Mas, no ambiente corporativo tóxico de muitas empresas portuguesas, a eficiência e a inovação são vistas como ameaças aos cargos de gestores que se habituaram a navegar na mediocridade. O objetivo não era melhorar a empresa, mas sim garantir que os problemas se arrastassem indefinidamente, justificando assim a sua existência e os seus salários.
A Manipulação dos Problemas para Enganar a Gestão
O mesmo diretor, além de desencorajar a eficiência, recorria a esquemas absurdos para se autopromover. Ele dava ordens diretas para que membros da minha equipa desligassem os sistemas de suporte informático dos balcões do banco, provocando falhas generalizadas. Inevitavelmente, a direção do banco ligava-lhe alarmada com a situação. A resposta dele era sempre a mesma:
“Houve um problema técnico, mas a nossa equipa já está a trabalhar para o resolver o mais rápido possível.”
Após algumas horas, ele dava ordem para os sistemas voltarem ao ar e, como esperado, recebia os parabéns da direção pela sua “rápida e eficaz” resolução do problema que ele próprio tinha criado.
Este nível de manipulação e desonestidade não era um caso isolado, mas sim sintomático de uma cultura onde a aparência era mais importante do que os resultados reais. Infelizmente, esta forma de gerir tornou-se um reflexo da economia portuguesa em muitos setores.
Os Bancos Portugueses e a Queda Inevitável
A falta de uma cultura de meritocracia e a promoção da incompetência explicam em grande parte o colapso do setor bancário português. Com exceção do Santander, que tinha uma gestão espanhola com regras mais rigorosas, praticamente todos os bancos portugueses acabaram por ser resgatados pelo Estado ou afundaram por completo.
O caso mais emblemático foi o do Banco Espírito Santo (BES), que caiu num escândalo de corrupção e má gestão que custou milhares de milhões de euros aos contribuintes. O BANIF, outro banco privado, foi resgatado em 2015, e o Caixa Geral de Depósitos, banco público, precisou de múltiplas injeções de capital ao longo dos anos.
O problema não era apenas a crise internacional. Outros países enfrentaram dificuldades similares, mas em Portugal, a cultura organizacional bancária foi a principal responsável pelo desastre. Em vez de se focarem na eficiência, na inovação e na prestação de um serviço de qualidade, os bancos eram geridos por uma elite que se preocupava apenas com a sua própria sobrevivência, independentemente das consequências.
As Consequências da Mediocridade Generalizada
As consequências desta cultura de mediocridade foram devastadoras:
- Resgates pagos pelos contribuintes – Enquanto os bancos falharam por má gestão, os cidadãos foram forçados a pagar a fatura.
- Desconfiança generalizada no sistema financeiro – Muitos portugueses perderam a confiança nos bancos nacionais e passaram a procurar alternativas internacionais.
- Destruição de valor para a economia – Em vez de serem motores de crescimento, os bancos tornaram-se buracos negros financeiros que sugaram recursos do país.
- Fuga de talentos – Profissionais competentes, incapazes de suportar este ambiente tóxico, foram obrigados a emigrar ou mudar de setor.
Conclusão: O Futuro Ainda é Possível?
A grande questão que fica é: será possível mudar esta cultura profundamente enraizada? A resposta não é simples, mas há sinais de esperança. Algumas startups e novas empresas tecnológicas portuguesas estão a desafiar estas práticas ultrapassadas, apostando na inovação e na meritocracia.
No entanto, enquanto as grandes instituições permanecerem dominadas pela mentalidade de autopreservação e pela promoção da mediocridade, Portugal continuará a lutar para alcançar o seu verdadeiro potencial. O problema não é falta de talento—Portugal tem profissionais altamente qualificados e inovadores. O problema é um sistema que os sufoca e impede de fazer a diferença.
Se há uma lição que devemos aprender com o colapso dos bancos portugueses, é que um país não pode prosperar quando a mediocridade é incentivada e a competência é vista como uma ameaça. A única solução real é uma mudança radical na cultura empresarial, substituindo o conformismo pela ambição, a inércia pela inovação e a manipulação pela transparência.
Até que isso aconteça, Portugal continuará a ser um país onde a falência das instituições é apenas uma questão de tempo—e, infelizmente, onde os cidadãos comuns são sempre os que pagam a conta.
Francisco Gonçalves
e-mail: francis.goncalves@gmail.com
[Baseado em factos reais que ocorreram entre 2002 e 2010, e a que assisti enquanto profissional de TI.]