Anticorrupção ou Hipocrisia? O Caso Silvério Regalado e o Governo de Montenegro

O governo liderado por Luís Montenegro anunciou com grande destaque um pacote de leis contra a corrupção, prometendo mais transparência e rigor na administração pública. No entanto, a recente nomeação de Silvério Regalado como secretário de Estado da Administração Local e Ordenamento do Território lançou uma sombra sobre essas promessas. A revelação de que Regalado, enquanto presidente da Câmara Municipal de Vagos, celebrou ajustes diretos de mais de 200 mil euros com um escritório de advogados ligado ao próprio primeiro-ministro levanta sérias questões sobre a coerência e credibilidade das medidas anticorrupção deste governo.
A Polémica dos Ajustes Diretos
Entre 2015 e 2021, enquanto liderava a autarquia de Vagos, Silvério Regalado contratou a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro – da qual Luís Montenegro foi sócio até 2022 – para serviços jurídicos através de ajustes diretos, ou seja, sem concurso público. No total, esses contratos ultrapassaram os 200 mil euros.
Embora os ajustes diretos sejam legais em determinadas circunstâncias, o seu uso excessivo ou direcionado para entidades com ligações políticas levanta questões éticas. No caso de Regalado, a proximidade com Montenegro e a sua recente nomeação para um cargo governamental fazem com que a situação pareça mais um caso de favores políticos do que uma escolha baseada no mérito e na transparência.
Contradições no Discurso do Governo
A ironia desta situação não passa despercebida. Enquanto o governo proclama a necessidade de combater a corrupção e reforçar a transparência, ao mesmo tempo promove figuras políticas envolvidas em contratos questionáveis. A nomeação de Regalado é um exemplo flagrante de como, na prática, os discursos anticorrupção muitas vezes não passam de manobras de comunicação para ganhar tempo e desviar atenções.
Se o executivo realmente pretende reformar o país e erradicar a corrupção, deveria começar por dar o exemplo dentro de casa. Nomear um secretário de Estado envolvido em ajustes diretos com um escritório ligado ao próprio primeiro-ministro contradiz totalmente essa narrativa e mina a confiança do público.
O Efeito na Perceção Pública
Portugal já tem um longo histórico de escândalos políticos que abalaram a confiança dos cidadãos nas instituições. O caso José Sócrates, o colapso do BES, a Operação Marquês e muitos outros exemplos demonstram como a corrupção tem sido uma constante na política nacional. O episódio de Silvério Regalado apenas reforça a ideia de que, independentemente do partido no poder, as ligações entre políticos e negócios continuam a prevalecer.
Os cidadãos portugueses estão cada vez mais céticos em relação às promessas de mudança. Quando se lançam medidas anticorrupção e, ao mesmo tempo, se nomeiam figuras envolvidas em esquemas que levantam dúvidas, o resultado é um descrédito ainda maior na classe política.
A Necessidade de uma Verdadeira Reforma
Se o governo de Montenegro quer realmente ser levado a sério na luta contra a corrupção, precisa de ir além dos discursos e adotar medidas concretas, como:
- Maior transparência nas nomeações políticas, garantindo que não há conflitos de interesse ocultos.
- Revisão dos ajustes diretos, impondo regras mais rígidas para evitar o favorecimento de empresas e escritórios ligados a políticos.
- Criação de um organismo independente e realmente eficaz para fiscalizar casos de corrupção na administração pública.
Enquanto essas medidas não forem aplicadas de forma séria e imparcial, os anúncios de combate à corrupção continuarão a soar a hipocrisia.
Conclusão
O caso de Silvério Regalado é um teste para o governo de Montenegro. Se o primeiro-ministro quiser demonstrar coerência e compromisso real com a transparência, deveria rever esta nomeação e afastar qualquer suspeita de favorecimento político. Caso contrário, estará apenas a reforçar a perceção de que, em Portugal, a corrupção continua a ser tolerada – desde que bem disfarçada.
A luta contra a corrupção exige mais do que discursos bonitos. Exige ações concretas. E, até agora, as ações do governo parecem ir numa direção completamente oposta às suas promessas.
Francisco Gonçalves
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